25 maio, 2012

barulhentamente muda

Eu tenho coisas para contar. Juro que tenho. Daquelas que me fariam desbundar palavras por aqui, com fotografias da Bebé que me enchem de orgulho. Foi a viagem de primavera, a paixão por Londres, o livro do Yeats, as músicas que me embalam, as neuras como as de hoje, as gargalhadas como as de ontem, as all-star laranja encomendadas, o meu cabelo novo (sempre que disfarço as brancas sinto que tenho um cabelo novo)... Vou escrevendo com a cabeça, mas chego aqui e a minha voz cala-se. Só consigo escrever sobre o que leio porque é escrever sobre as palavras dos outros que me são emprestadas.


Estou baralhentamente muda. Mas preciso de escrever. Preciso de escrever histórias. De começar umas e continuar outras.

22 maio, 2012

o último do Mia

Não sei se posso dizer que li "A Confissão da Leoa". Digo antes que o suguei entre uma insónia e outra. Este é um livro diferente. Não se encontram os neologismos a que o Mia nos habituou. Não são precisos, porque a história já diz tudo.

Moçambique está na história como nunca antes vi num outro livro: as capulanas, o mar visto uma única vez, os feiticeiros, as mulheres na cozinha, os homens no mato.

A vontade de liberdade de uma. A resignação de todas as outras.
Os homens que mandam. Um que caça. Outro que escreve.
As crianças que não brincam, mas que também não rezam.

Depois de ter lido, compreendo o porquê do Mia ter demorado 3 anos para escrever esta história. É ler para compreender. É ler para sentir.



Obs. No dia em que acabei, comecei a ler a "Clarabóia" do Saramago.
Já lá vão mais de 100 páginas e não sei como é que se consegue parar. 

16 maio, 2012

O que é que me faz alterar a ordem da leitura?
O que é que me faz passar à frente Murakami, Saramago, Agustina?


Simplesmente, o novo livro do Mia Couto.
"a confissão da leoa" é a companhia para estes dias de Maio.  

“Pela Estrada Fora”

Aqui há uns tempos disse que estava a ler este livro. Acabei por demorar mais tempo devido às pausas forçadas, mas ontem acabei.

Este é um livro diferente. Tão diferente como quem o escreveu. E por ser diferente torna-se maravilhoso.

Jack Kerouac escreveu-o em três semanas e isso está na escrita. Sem parágrafos, sem capítulos, sem pontuação, às vezes. Fica-se sem fôlego à medida que avançamos nas páginas. Corremos com ele, ou melhor, com eles, pelas ruas da América do pós-guerra. O coração bate rápido pela intensidade da história. Uma história feita de improvisos, de liberdade, de viagens, de amizade, de loucuras, de paixões e de desilusões. Uma história feita nas estradas e por isso é que quem lê também fica sem conseguir respirar.

Este é um livro diferente e talvez impróprio para cardíacos.


Obs. Esta edição da "Relógio d'Água" merece ser comprada. Texto muito próximo do original e a tradutora explica-o muito bem logo nas páginas iniciais.

10 maio, 2012

coisas grandes

Tenho uma cabeça grande. Grande ao ponto de ter dificuldade em encontrar chapéus que me sirvam (é ver as minhas cenas nas lojas!). Esta cabeça grande tem dias em que fica pesada. Tão pesada que tomba para o lado esquerdo ou para o direito, conforme. É o pescoço que a arrasta pelos movimentos e este pescoço está cansado. Muito cansado. Cansado da incompreensão, da falta de tolerância, do silêncio nos corredores, das asas cortadas, do desacreditar dos sonhos e do acreditar que o mundo tem de ser pequeno, porque é assim que é.

Teimamos que o que vemos é apenas o que existe. Porque é que não podem existir outros mundos, outras cidades, outras ruas, outros caminhos, outras casas, outras pessoas? O mundo é grande. As cidades são grandes. As ruas são grandes. Os caminhos são grandes.

E já disse que a minha cabeça também é grande? Nem cabem chapéus... 

02 maio, 2012

«chuvilho»

Nesse dia, meu pai apareceu em casa todo molhado. Estaria chovendo? Não, que o nosso telhado de zinco nos teria avisado. A chuva, mesmo miudinha, soaria como agulhinhas esburacando o silêncio.

- Caiu no rio, marido? 
- Não, molhei-me foi por causa dessa chuva. 
- Chuva? 

Espreitámos na janela: era uma chuvinha suspensa, flutuando entre céu e terra. Leve, pasmada, aérea. Meus pais chamaram àquilo um «chuvilho». E riram-se, divertidos com a palavra. Até que o braço do avô se ergueu:

 - Não riam alto, que a chuva está é dormindo... 




Mia Couto
In "A Chuva Pasmada"