17 julho, 2013

Migalhinha da Tia # 3


Estive algum tempo sem escrever, mas todos os dias penso em ti e na tua mamã (que é só das pessoas mais maravilhosas que conheço, mas um dia falo-te melhor sobre ela). Não, não é exagero; é mesmo todos os dias. Penso, por exemplo, no momento em que estarás cá fora, pronta para conhecer este mundo e todos os outros que queiras conhecer.

Ainda não nasceste mas já me deste momentos lamechas que fazem bem ao coração. Sentir os teus pontapés ou dizer o teu nome alto é sentir uma leveza que nos ultrapassa e nos faz relativizar todas as desgraças e maleitas desta vida; sim, a vida às vezes é uma chatice, mas não te preocupes que, como já te disse, estamos aqui para ti e, acredita, há mais coisas boas que chatas (mas um dia também te falo melhor sobre isto).

Por isso, Maria Antónia, ainda bem que existes. Fazes aqui a Tia Di feliz sem exaustão

06 julho, 2013

nas noites quentes de Julho

"O Ano Sabático" foi o segundo livro que li do João Tordo. Desde que saiu que me andava na mira, mas é raro eu comprar um livro só porque sim; é mais porque tem de ser. Com este livro, que acabei ontem de ler, foi assim: num dos dias das mini-mini-mini férias de são joão inundei-me de revistas num bar de praia e uma delas, já antiga, trazia uma entrevista extensa do João Tordo onde falava do livro e gostei dos pormenores pessoais que a história tinha. Na semana seguinte fui à FNAC (já não me lembro fazer o quê) e comprei-o. Comecei-o a ler logo a seguir ao "Leite Derramado". Foi num instante e foi um belo começo das leituras nas noites quentes de Julho.

O livro é bom, muito bom. Talvez por gostar também da escrita do João Tordo e nota-se que tem um registo próprio.O livro está dividido em duas partes e a primeira parte, para mim, está completamente genial. Muitas personagens, mas não nos perdemos na história. E muito do autor está ali: também o João Tordo toca contrabaixo e tem irmãos gémeos, uma irmã e outro irmão que não sobrevivera ao parto - era esta a informação que estava na entrevista e que logo me ligou à história. Depois há muito de ficção. Gosto dos pormenores como o Mateus chamar o contrabaixo de barco baixo; gosto da música ter o nome da empregada; gosto da ideia do ano sabático, porque de algum modo foi o que também fiz antes de entrar para o doutoramento (isto sou eu numa identificação pessoal com o livro). No final da primeira parte há um twist (que obviamente não posso contar) que quase leva o leitor à loucura. Nessa noite tive de continuar a ler. Não estava a perceber o que estava a acontecer. De tal como que rabisquei um ponto de interrogação no final dessa parte. Foi quase difícil de digerir e ainda o é, agora que penso na história. Um autor que consegue isto com o leitor é porque tem de ser bom.
Levada pela curiosidade comecei logo a segunda parte; trouxe uma cadência diferente, relatada por uma pessoa distante da história, mas próxima de uma das personagens. Mas penso que isto também faz com que o leitor também se distancie. Então, sente-se quase que uma quebra; depois daquela intensidade obsessiva da primeira parte, aqui é quase um despreendedimento, como quem prepara uma despedida. Talvez tenha sido essa a intenção do João Tordo.

É um livro sobre obsessão e eu li de forma obsessiva.

01 julho, 2013

complexamente simples e compreensivelmente emocional

O Chico canta. Mais! O Chico escreve. E ainda mais! O Chico é.
Ofereceram-me o "Leite Derramado" no Verão passado, quando estava  no Brasil - precisamente esta edição da Companhia das Letras.

Li em menos de uma semana - uma semana apanhada com dois dias de praia na Comporta onde é fácil, muito fácil ler com os pés enfiados na areia - esta história que atravessa gerações.

Para quem leu "Cem anos de solidão" e outros semelhantes, cheios de personagens, de sobrenomes e com imensas e imensas páginas, vai gostar da história do Chico... não, desculpem, da história do Eulálio. O "Leite Derramado" não é mais nem menos do que as suas memórias em mais de cem anos de vida; uma vida em Copacabana, na baía de Guanabara, e noutros lugares, com a sua mãe, com a sua mulher, com a sua filha, com o seu neto, com o seu bisneto, com o seu tetraneto. E com as suas fotos, os seus cheiros, as suas exigências, as atrapalhações, as suas contrariedades, as suas confusões, as suas confissões... naturais de quem está numa cama de hospital a contar histórias que ninguém quer ouvir (só mesmo quem as lê, como se fosse um segredo).
O Chico em poucas páginas conta uma história (ou muitas - depende de quem estamos a falar); muitos escritores a contariam de forma lógica, perfeita, detalhada. O Chico não. O Chico escreve como canta, com falhas e fora de ritmo: complexamente simples e compreensivelmente emocional. Assim é o "Leite Derramado".